terça-feira, 28 de dezembro de 2010

A meia-noite de fato

São inúmeros os rituais de virada do ano que ficamos sabendo. Comer lentilha, vestir-se de branco, entrar no mar para pular ondas são alguns deles.

Minha tia, de vida triste por quase toda vida, de uns tempos para cá, nunca está disponível à meia-noite para dar/receber abraços e felicitações: mete-se embaixo do chuveiro com a intenção de entrar o ano limpa.

O pai de um amigo distribui pequenos envelopes contendo sementes de fruta do conde para os familiares colocarem na carteira; diz que a simpatia funciona para chamar dinheiro.

E num bairro distante daqui de Porto Alegre, um casal bastante próximo a mim decidiu, desde que se casaram, passar a virada do ano, no quarto deles, nus e enroscados. Dizem que querem o amor atado com nó bem firme. Por isso a hora de baterem as taças de champanhe pode variar entre antes ou depois da meia-noite. À meia-noite exatamente têm de estar grudados.

E porque há o horário de verão, não se importam de repetir o ritual uma hora depois, na verdadeira meia-noite.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

quadros, de novo

Óleo sobre tela, 12 de novembro de 2010. Depois de ver, num livro bem baratinho que comprei na Feira do Livro, algumas telas do grego Dimitris Anagnostopoulos, fiquei eu com vontade de passar a espátula numa tela.







Esta outra, também óleo sobre tela feita hoje, surgiu depois de ter visto, no facebook da Dani Osório, um desenho em preto e branco simples e bonito.

sábado, 23 de outubro de 2010

heróis confinados


dentro de muito poucos dias, terá início a nova edição do bbb. pedro bial nos mostrará os participantes, todos ou muitos de corpos bem definidos. e dirá (como sempre o disse): "eis nossos heróis que lutarão por tanto em dinheiro, confinados na casa mais vigiada do país".

tenho certeza de que todos esses "brothers" caberiam fácil-fácil na cápsula americana que retirou os mineiros chilenos presos por 69 dias, muitos metros embaixo da terra. mas quem deles se submeteria àquilo ao que os mineiros se submeteram?

como disse o rodrigo, amigo e colega professor do estado, "o bial vai precisar de ter coragem pra chamar os participantes de heróis confinados depois dessa!"

mas vai chamar, rodrigo! e eles vão tomar banho de piscina!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

vaso com flores


Óleo sobre tela, agosto de 2010

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Depois de ler Kaváfis

Para o Akin, que há de dizer muito Deus do Céu! aos poemas que lerá!

A Literatura é bendita. Porque existe (“O quarto era pobre e vulgar,/ oculto no alto da taverna suspeita./ Da janela via-se a ruela,/ suja e estreita. De baixo/ vinham as vozes de alguns operários/ que jogavam cartas e se divertiam.// E ali, na cama rústica e humilde,/ possuí o corpo do amor, possuí os lábios/ voluptuosos e róseos da embriaguez -/ róseos de uma tal embriaguez que, mesmo agora/ quando escrevo, depois de tantos anos!,/ em minha casa solitária, novamente me embriago.”), me pego às vezes dizendo Deus do Céu!, assim como quem sabe devesse dizer o crente.

Que força (“Algo que disseram ao meu lado/ dirigiu minha atenção para a entrada do café./ E vi o belo corpo que era aparentemente/ como se Eros o tivesse feito com sua extremada experiência -/ modelando seus harmoniosos membros com alegria;/ erguendo, escultural, a estatura;/ modelando com emoção o rosto/ e deixando pelo toque de suas mãos/ um sentimento na fonte, nos olhos e nós lábios.”) tem a delicadeza de um verso! Tanta que me faz lembrar a história de um alguém: o sujeito botou os olhos distraidamente num poema (“Os homens conhecem as coisas que ocorrem./ As futuras, os deuses a conhecem,/ plenos e únicos possuidores de todas as luzes./ Das coisas futuras os sábios percebem/ as que se aproximam. Sua audição// às vezes, em horas de sérios estudos,/ perturba-se. O misterioso clamor/ vem-lhes dos acontecimentos que se aproximam./ E, respeitosos, ficam atentos a ele. Enquanto na rua,/ lá fora, nada escutam os povos.”) e nunca mais enxergou do mesmo jeito.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Sortes


Uma aluna minha de oficina foi quem falou dele: o vendedor de bilhetes que não tinha braços. Eu já o conhecia também. Até lhe comprei números algumas vezes, quase sempre no mesmo bar do Centro. Chegava manso e, como se esperasse um não, oferecia as sortes que estavam no bolso esquerdo da sua camisa; para quem dizia sim, ficava a tarefa de colocar o dinheiro no bolso do outro lado.

Comprava o bilhete mais para ajudá-lo do que por outro motivo – só assim eu chego perto de qualquer coisa parecida com um prêmio.

Lembrei desse personagem agora indo para casa. De dentro do trem, a uma estação de descer, faço mentalmente o caminho até onde moro: desembarco na estação Canoas, sigo pelo Calçadão até a passarela, atravesso por cima a BR 116 e, logo em seguida, entro na minha rua. Puxo a chave do bolso, meto-a na fechadura e entro em casa.

Logo em seguida, penso no caminho que faz o vendedor até a casa dele. Por tudo que mostra sua figura, diria que é um caminho menos tranquilo, mais escuro e embarrado que o meu. Imagino que haja mais esquinas a dobrar. Mas... quem lhe espera para abrir a porta? Tem noutro bolso as chaves?