quinta-feira, 22 de setembro de 2011

pulga

Hoje, com a intenção de depois mostrar aos alunos de 5ª série o "grau dos substantivos e dos adjetivos", peguei o livro didático, distribuí um para cada um e pedi que lessem o poema "Santo do dia", da Sylvia Orthof. 

"Dia de São João,
fogueira e clarão.

Dia de São Pedro,
barquinho no mar.

Mas tadinho de São Nunca,
seu dia custa a chegar:
não foi ontem, não é hoje,
amanhã... Nunca será?"

Lido o texto, foram à interpretação e demais perguntas. A turma, meio quieta, meio barulhenta (sempre os mesmos!), ia fingindo fazer a tarefa e a fazendo de verdade. 

E eu ia mantendo aquele meu silêncio interno, próprio de quem sabe como as coisas funcionam. Até que um dos menores da turma, falando mais sozinho que comigo, disse: 

- A poesia é uma pulga.

Retirado do meu silêncio, olhei para o Brian: "O quê?"

- Tá escrito aqui: "A poesia é uma pulga" - repetiu e apontou para umas letrinhas difíceis de ver ao fim do texto.

Era o título do livro de onde o poema fora tirado. Aproveitei a deixa: "Sabe por que isso?"

- Não - sorriu.

- Porque ela pula no teu braço, te dá uma picada e te deixa uma marquinha e uma coceira difícil de não coçar.

Ele continuou sorrindo, balançou a cabeça e disse "Não é não!" de um jeito que, entendi, suspeitava que eu estava certo. O Brian, ali, já tinha sido picado.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Quase uma parábola

Chego no posto bem cedinho, ponho o uniforme, boné e tudo. Escolhi essa profissão porque tenho na cabeça há muito tempo minha missão – fazer as pessoas irem longe. Pôr combustível no carro de quem vem aqui é a maneira mais certeira de fazer isso.

Difícil que eu me incomode no serviço. O chefe (na verdade todo mundo que me conhece) diz: “o cliente tem sempre razão”. E assim as coisas vão fluindo. À exceção de ontem. Por causa de ontem, até perdi o sono.

Um cara chegou de carro e parou, como se fosse abastecer, quase em frente à bomba de combustível. Estendi meus braços num gesto que dizia: “vem mais pra frente, cidadão”. Ele fez que não com a cabeça, abriu o vidro e quis me alcançar uma nota de 20. Fui me chegando e ele pediu, apressado: “Não quero gasolina, chapa. Compra uma carteira de cigarros e fósforos pra mim ali, valeu?”, e apontou para a loja de conveniências.

Tinha gente atrás dele esperando a vez de abastecer, acho que dois ou três carros que, por causa dum idiota, não podiam ir a lugar algum. Mandei na hora o cara pra puta que o pariu, bem alto. Logo, um colega meu que devia estar vendo tudo veio e me substituiu.

Esse motorista de ontem fez eu me lembrar do meu emprego anterior. Também acordava cedo. Também queria fazer as pessoas irem mais longe. Mas a gurizada de tudo que foi escola onde lecionei ia para a aula com várias intenções, menos aprender.

Meu, fazia tempo que eu não perdia a paciência!