segunda-feira, 26 de julho de 2010

Sortes


Uma aluna minha de oficina foi quem falou dele: o vendedor de bilhetes que não tinha braços. Eu já o conhecia também. Até lhe comprei números algumas vezes, quase sempre no mesmo bar do Centro. Chegava manso e, como se esperasse um não, oferecia as sortes que estavam no bolso esquerdo da sua camisa; para quem dizia sim, ficava a tarefa de colocar o dinheiro no bolso do outro lado.

Comprava o bilhete mais para ajudá-lo do que por outro motivo – só assim eu chego perto de qualquer coisa parecida com um prêmio.

Lembrei desse personagem agora indo para casa. De dentro do trem, a uma estação de descer, faço mentalmente o caminho até onde moro: desembarco na estação Canoas, sigo pelo Calçadão até a passarela, atravesso por cima a BR 116 e, logo em seguida, entro na minha rua. Puxo a chave do bolso, meto-a na fechadura e entro em casa.

Logo em seguida, penso no caminho que faz o vendedor até a casa dele. Por tudo que mostra sua figura, diria que é um caminho menos tranquilo, mais escuro e embarrado que o meu. Imagino que haja mais esquinas a dobrar. Mas... quem lhe espera para abrir a porta? Tem noutro bolso as chaves?